Interpretar exige
raciocínio, discernimento e compreensão do mundo
A interpretação de textos é de fundamental importância
para o vestibulando. Você já se perguntou por quê? Há alguns anos, as provas de
Português, nos principais vestibulares do país, traziam uma frase, e dela
faziam-se as questões. Eram enunciados soltos, sem conexão, tão ridículos que
lembravam muito aquelas frases das antigas cartilhas: "Ivo viu a
uva". Os tempos são outros, e, dentro das modernas tendências do ensino de
línguas, fica cada vez mais claro que o objetivo de ensinar as regras da
gramática normativa é simplesmente o texto. Aprendem-se as regras do português
culto, erudito, a fim de melhorar a qualidade do texto, seja oral, seja
escrito.
Nesse sentido, todas as questões são extraídas de textos,
escolhidos criteriosamente pelas bancas, em função da mensagem/conteúdo, em
função da estrutura gramatical. Ocorrem casos de provas contextualizadas, em
que todos os textos abordam o mesmo assunto, ou seja, provas monotemáticas -
exemplo adotado pela PUC/RS. Por sua vez, a Unisinos prefere o tema único nas
50 questões de humanas (Português, Língua Estrangeira, Geografia e História ).
Dessa maneira, fica clara a importância do texto como
objetivo último do aprendizado de língua.
Quais são os
textos escolhidos?
Textos retirados de revistas e de jornais de circulação
nacional têm a preferência. Portanto, o romance, a poesia e o conto são quase que
exclusividade das provas de Literatura (que também trabalham interpretação, por
evidente). Assim, seria interessante observar as características fundamentais
desses produtos da imprensa.
Os Artigos
São os preferidos das bancas. Esses textos autorais trazem
identificado o autor. Essas opiniões são de expressa responsabilidade de quem
as escreveu - chamado aqui de articulista - e tratam de assunto da realidade
objetiva, pautada pela imprensa. Vejamos um exemplo: um dado conflito eclode em
algum ponto do planeta (a todo o instante surge algum), e o professor Décio
Freitas, historiador, abordará, em seu artigo em ZH, os aspectos históricos do
embate. Portanto, os temas são, quase sempre, bem atuais.
Trata-se, em verdade, de texto argumentativo, no qual o autor/emissor
terá como objetivo convencer o leitor/receptor. Nessa medida, é idêntico à
redação escolar, tendo a mesma estrutura: introdução, desenvolvimento e
conclusão.
Exemplo
de Artigo
Os nomes de quase todas as cidades que chegam ao fim deste
milênio como centros culturais importantes seriam familiares às pessoas que
viveram durante o final do século passado. O peso relativo de cada uma delas
pode ter variado, mas as metrópoles que contam ainda são basicamente as mesmas:
Paris, Nova Iorque, Berlim, Roma, Madri, São Petesburgo.
(Nelson Archer - caderno Cidades, Folha de S. Paulo, 02/05/99)
(Nelson Archer - caderno Cidades, Folha de S. Paulo, 02/05/99)
Os Editoriais
Novamente, são opinativos, argumentativos e possuem aquela
mesma estrutura. Todos os jornais e revistas têm esses editoriais. Os
principais diários do país produzem três textos desse gênero. Geralmente um
deles tratará de política; outro, de economia; um outro, de temas
internacionais. A diferença em relação ao artigo é que o autor, o
editorialista, não expressa sua opinião, apenas serve de intermediário para
revelar o ponto de vista da instituição, da empresa, do órgão de comunicação.
Muitas vezes, esses editoriais são produzidos por mais de um profissional. O
editorialista é, quase sempre, antigo na casa e, obviamente, da confiança do
dono da empresa de comunicação. Os temas, por evidente, são a pauta do momento,
os assuntos da semana.
As Notícias
Aqui temos outro gênero, bem diverso. As notícias são
autorais, isto é, produzidas por um jornalista claramente identificado na
matéria. Possuem uma estrutura bem fechada, na qual, no primeiro parágrafo
(também chamado de lide), o autor deve responder às cinco perguntinhas básicas
do jornalismo: Quem? Quando? Onde? Como? E por quê?
Essa maneira de fazer texto atende a uma regra do
jornalismo moderno: facilitar a leitura. Se o leitor/receptor desejar mais
informações sobre a notícia, que vá adiante no texto. Fato é que, lendo apenas
o parágrafo inicial, terá as informações básicas do assunto. A grande diferença
em relação ao artigo e ao editorial está no objetivo. O autor quer apenas
"passar" a informação, quer dizer, não busca convencer o
leitor/receptor de nada. É aquele texto que os jornalistas chamam de objetivo
ou isento, despido de subjetividade e de intencionalidade.
Exemplo
de Notícia
O juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, ex-presidente
do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, negou-se a responder ontem à CPI
do judiciário todas as perguntas sobre sua evolução patrimonial. Ele invocou a
Constituição para permanecer calado sempre que era questionado sobre seus bens
ou sobre contas no exterior.
(Folha de S. Paulo, 05/05/99)
(Folha de S. Paulo, 05/05/99)
As Crônicas
Estamos diante da Literatura. Os cronistas não possuem
compromisso com a realidade objetiva. Eles retratam a realidade subjetiva.
Dessa maneira, Rubem Braga, cronista, jornalista, produziu, por exemplo, um
texto abordando a flor que nasceu no seu jardim. Não importa o mundo com suas
tragédias constantes, mas sim o universo interior do cronista, que nada mais é
do que um fotógrafo de sua cidade. É interessante verificar que essas
características fundamentais da crônica vão desaparecendo com o tempo. Não há,
por exemplo, um cronista de Porto Alegre (talvez o último deles tenha sido
Sérgio da Costa Franco).
Se observarmos o jornal Folha de S. Paulo, teremos, junto
aos editoriais e a dois artigos sobre política ou economia, uma crônica de
Carlos Heitor Cony, descolada da realidade, se assim lhe aprouver (Cony, muitas
vezes, produz artigos, discutindo algo da realidade objetiva). O jornal busca,
dessa maneira, arejar essa página tão sisuda. A crônica é isso: uma janela
aberta ao mar. Vale lembrar que o jornalismo, ao seu início, era confundido com
Literatura. Um texto sobre um assassinato, por exemplo, poderia começar assim:
" Chovia muito, e raios luminosos atiravam-se à terra. Num desses clarões,
uma faca surge das trevas..." Dá-se o nome de nariz de cera a essas
matérias empoladas, muito comuns nos tempos heróicos do jornalismo.
Sobre a crônica, há alguns dados interessantes.
Considerada por muito tempo como gênero menor da Literatura, nunca teve status
ou maiores reconhecimentos por parte da crítica. Muitos autores famosos,
romancistas, contistas ou poetas, produziram excelentes crônicas, mas não são
conhecidos por isso. Carlos Drummond de Andrade é um belo exemplo. Pela
grandeza de sua poesia, o grande cronista do cotidiano do Rio de Janeiro foi
abafado. O mesmo pode-se falar de Olavo Bilac, que, no início do século
passado, passou a produzir crônicas num jornal carioca, em substituição a outro
grande escritor, Machado de Assis.
Essa divisão dos textos da imprensa é didática e objetiva
esclarecer um pouco mais o vestibulando. No entanto, é importante assinalar que
os autores modernos fundem essa divisão, fazendo um trabalho misto. É o caso de
Luis Fernando Verissimo, que ora trabalha uma crônica, com os personagens
conversando em um bar, terminando por um artigo, no qual faz críticas ao poder
central, por exemplo. Martha Medeiros, por seu turno, produz, muitas vezes, um
artigo, revelando a alma feminina. Em outros momentos, faz uma crônica sobre o
quotidiano.
Exemplo
de Crônica
Quando Rubem Braga não tinha assunto, ele abria a janela e
encontrava um. Quando não encontrava, dava no mesmo, ele abria a janela, olhava
o mundo e comunicava que não havia assunto. Fazia isso com tanto engenho e arte
que também dava no mesmo: a crônica estava feita.
Não tenho nem o engenho nem a arte de Rubem, mas tenho a
varanda aberta sobre a Lagoa - posso não ver melhor, mas vejo mais. Otto Maria
Carpeaux não gostava do gênero "crônica", nem adiantava argumentar
contra, dizer, por exemplo, que os cronistas, uns pelos outros, escreviam bem.
Carpeaux lembrava então que escrever é verbo transitivo, pede objeto direto:
escrever o quê? Maldade do Carpeaux. (...)
Nelson Rodrigues não tinha problemas. Quando não havia
assunto, ele inventava. Uma tarde, estacionei ilegalmente o Sinca-Chambord na
calçada do jornal. Ele estava com o papel na máquina e provisoriamente sem
assunto. Inventou que eu descia de um reluzente Rolls Royce com uma loura
suspeita, mas equivalente à suntuosidade do carro. Um guarda nos deteve, eu
tentei subornar a autoridade com dinheiro, o guarda não aceitou o dinheiro,
preferiu a loura. Eu fiquei sem a multa e sem a mulher. Nelson não ficou sem
assunto.
(Carlos Heitor Cony, Folha de S. Paulo, 02/01/98)
(Carlos Heitor Cony, Folha de S. Paulo, 02/01/98)
A interpretação serve para Química!
Responda rápido a uma pergunta: O que há em comum entre os
vestibulandos aprovados nos primeiros lugares? Será que possuem semelhanças? Sim,
de fato, o que os identifica é a leitura e a curiosidade pelo mundo que os
cerca. Eles lêem bastante, e lêem de tudo um pouco. As instituições de ensino
superior não querem mais aquele aluno que decora regrinhas. Elas buscam o
cidadão que possui leitura e conhecimento de mundo. Nesse aspecto, as questões,
inclusive das provas de exatas, muitas vezes pedem criticidade e compreensão de
enunciados. Quantas vezes você, caro vestibulando, não errou uma questão de
Física ou de Biologia por não entender o que foi pedido. Pois estamos falando
de interpretação de textos. A leitura e a interpretação tornam-se, dessa
maneira, exigência de todas as disciplinas. E não pense que essa capacidade
crítica de entender o texto escrito (e até falado) é exclusividade do vestibular.
Quando você for buscar uma vaga no mercado de trabalho, a criticidade, a
capacidade de comunicação e de compreensão do mundo serão atributos importantes
nessa concorrência. Lembre-se disso na hora de planejar os estudos para os
próximos vestibulares.
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